Olavo Bilac, Monteiro Lobato e Ana Maria Machado: três discurso sobre a literatura infantil e Juvenil?

Fernando Teixeira Luiz (UNESP)



Introdução

O presente estudo, centrado na análise documental, ocupa-se em problematizar tópicos específicos da literatura infantil e juvenil com base na apreciação crítica de três escritores emblemáticos nacionais: Olavo Bilac, Monteiro Lobato e Ana Maria Machado. Em outras palavras, a pesquisa objetiva verificar como os citados ficcionistas, movidos por determinadas convicções e imersos em distintos contextos, definem, descrevem e discutem o gênero infanto-juvenil.


Para tanto, tal investigação científica optou por seguir um caminho ainda não muito explorado na tradição de pesquisas consolidadas nesse campo: recupera, examina e polemiza, com base na crítica literária contemporânea, os conceitos “teóricos” dos anunciados autores, dispersos ora em produções de caráter epistolar (como no caso de Lobato), ora em prefácios e ensaios (como acontece, respectivamente, com Bilac e Machado). Os resultados obtidos apontam para o diálogo que os escritores mantiveram com seus antecessores (Rousseau, Herbat e Comte, entre outros), em específicos momentos de suas vidas.


A esse respeito, vale ressaltar no texto bilaquiano a severa crítica aos contos de fadas, seguida de uma proposta literária bastante ufanista, monológica e conservadora, em plena sintonia com as diretrizes escolares da época. Lobato, rompendo com esse paradigma, enveredaria pelas trilhas dos pensadores da Escola Nova e introduziria um modelo bastante moderno de literatura. Filiando-se à linha inaugurada pelo criador de Emília e em total diálogo com a poética pós-moderna e o cognitivismo piagetiano, Machado apresenta uma retórica em que conceitua a literatura infantil como aquela que também pode ser lida pelas crianças, firmando-se, consequentemente, como capaz de envolver o público em geral.


1- A poética “tradicional” de Olavo Bilac.

Não é novidade assinalar que a produção literária de Olavo Bilac revela um estreito pacto com uma postura nacionalista e plenamente escolar. A crítica literária contemporânea já havia acentuado tal faceta das publicações bilaquianas direcionadas ao leitor em formação. Novidade, no entanto, é discutir como o escritor em questão definia e “teorizava” a literatura para crianças, introduzindo alguns conceitos em textos mais “dogmáticos”. É o que acontece, por exemplo, no pórtico de Poesias Infantis (1904). Aqui, o autor explicita abertamente sua visão de literatura infanto-juveni l: textos que exigiriam total cuidado e excessivo trabalho do ficcionista, uma vez que se dirigiria a sujeitos sem experiências, com um repertório ainda vago e possivelmente incapazes de compreender as nuances do poema ou da narrativa a ser examinada.


Quando a Casa Alves & Cia me incumbiu de preparar este livro para o uso das aulas de instrução primária, não deixei de pensar, com receios, nas dificuldades grandes do trabalho. Era preciso fazer qualquer cousa simples, acessível à inteligência das crianças; e quem vive de escrever, vencendo dificuldades de forma, fica viciado pelo hábito de fazer estilo. Como perder o escritor a feição que já adquiriu, e as suas complicadas construções de frases, e o seu arsenal de vocábulos peregrinos, para se colocar ao alcance da inteligência infantil? (BILAC, 1904, p. 09)

Em outro pólo, Bilac investe nas críticas aos materiais de leitura até então presentes no país, formados, basicamente, pelos contos de fadas europeus traduzidos no solo português.


Outro perigo: a possibilidade de cair no extremo oposto – fazendo um livro ingênuo demais, ou, o que seria peor, um livro, como tantos há por aí, cheio de histórias maravilhosas e tolas que desenvolvem a credulidade das crianças, fazendo-as ter medo de cousas que não existem (BILAC, 1904, p. 09).

Avançando na leitura do documento, encontramos os baluartes de seu projeto literário. A literatura, para ele, abarcava uma estrutura nitidamente moralizante. Sua função residiria no fato de ensinar ao leitor normas de conduta e comportamento, bem como a obediência, o recato e o amor à pátria. A criança, aqui, em sintonia com as diretrizes de uma pedagogia que a crítica escolanovista designaria mais tarde como tradicional, seria apontada basicamente como um ser que retém informnações e as reproduz em seu meio. Nessa perspectiva, o conto de fadas é repudiado pelo autor, tendo em vista que sua estrutura não condizia com o que ele defendia, pontuava e valorizava como “literatura escolar”.

O livro aqui está. É um livro em que não há os animais que falam, nem as fadas que protegem ou perseguem crianças, nem as feiticeiras que entram pelos buracos das fechaduras; há aqui descrições da natureza, cenas de família, hinos ao trabalho, à fé, ao dever, alusões ligeiras à história da pátria, pequenos contos em que a bondade é louvada e premiada (BILAC, 1904, p. 10).

Ainda nesse documento, Bilac chama a atenção do leitor ao manifestar plena consciência acerca do que salientou nos parágrafos anteriores como “literatura escolar”, de fundo didático e não necessariamente endereçado ao prazer estético da criança, e a “obra aberta”, bem mais sofisticada e absolutamente aberta à total participação do destinatário.


2- Monteiro Lobato: a revolução conceptual.

A concepção de literatura infanto-juvenil que sustenta o projeto de Monteiro Lobato compreende um desdobramento de suas idéias gerais sobre literatura. Em linhas gerais, o ficcionista enaltece textos claros, concisos, revestidos de dinamismo, destituídos de digressões e capazes de instruir e, ao mesmo tempo, deleitar o interlocutor – o que, na verdade, refletia uma preocupação do autor com a formação dos filhos, tendo em vista que os livros que circulavam na época eram de âmbito monológico e estritamente utilitaristas.


Problematizar o conceito de literatura infanto-juvenil empregado por um autor requer, mesmo antes de iniciar o trabalho de exegese crítica, conhecer as referências teóricas sobre infância que perpassam, sustentam e regem sua concepção.

No geral, cumpre sublinhar que a concepção lobatiana de infância é bastante influenciada pelo clássico de J. Barrie, que é contemporâneo ao autor brasileiro, Peter Pan. (1911). Seguindo as trilhas do personagem escocês que almejava preservar-se na condição de criança - o que enfocava, exaltava e acentuava as particularidades de tal fase da vida - Lobato, em diferentes momentos de sua literatura, sublinha o encanto inerente à infância, contrapondo-o, de maneira drástica, ao marasmo peculiar à idade adulta. Por isso, seus personagens sentem a necessidade de se exibirem como crianças, preocupando-se com a lenta imposição dos anos de maturidade. É o que se revela em Reinações de Narizinho (1931) a partir do receio de Pedrinho em crescer, mesmo consciente de que isso era inelutável:

A história de Peter Pan, que Dona Benta contara aos meninos certo dia, tinha-os deixado de cabeça virada. Narizinho só pensava em Wendy; Pedrinho só pensava em Peter Pan, “o menino que nunca quis crescer”. Pedrinho também não queria crescer, mas estava crescendo. Cada vez que apareciam visitas era certo lhe dizerem, como se fosse um grande cumprimento: “Como está crescido!” e isso o mortificava (LOBATO, 1931, p.131, grifos nossos).

3- Um olhar feminino: Ana Maria Machado


Ana Maria Machado teve a infância marcada pelo efetivo contato com os títulos de Monteiro Lobato – fato, inclusive, decisivo na consolidação de sua carreira. Assim, consagrando-se com um estilo incomum e na condição de seguidora da proposta lobatiana, chegou a ser indicada ao júri que integra o International Board on Books Yang People (IBBY), recebendo, em 2000, o prêmio H. C. Andersen pelo conjunto de sua obra.


Revisitando sua obra, Lajolo (1995) apregoa que em vários pontos a trajetória da autora em questão se cruza com a percorrida por Lobato nos anos 20, 30 e 40. Entre os pontos que merecem destaque, a pesquisadora observa a “modernização do texto, a coloquialização da linguagem, o arejamento das mensagens, a concepção de criança leitora como inteligente e inventiva, além de uma atitude radicalmente crítica da realidade brasileira” (p.73).

Tendo em vista essas relações, é prudente ainda salientar que a própria autora assume abertamente seu vínculo com Lobato. É o que explicita tanto nos depoimentos contidos na publicação Ana e Ruth: 25 anos de literatura, quanto na seqüência de artigos enfeixados no livro Contracorrente: conversas sobre leitura e política. Aqui, Machado, examinando o percurso histórico da literatura infanto-juvenil brasileira, sublinha a contribuição de Monteiro Lobato no processo de construção, consolidação e legitimação da literatura para crianças e jovens como gênero.

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