Poemas de Gonçalves Dias

CANÇÃO DO EXÍLIO


Kennsl du das Land, wo die Citronen, blühen, Im
dunkeln die Gold-Orangen gliihen,Kcnnst du es
wohl? - Dahin, dahin! Môcht ich... ziehn.

GOETHE
 
 
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais fores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Coimbra – Julho 1843



O CANTO DO GUERREIRO


I

Aqui na foresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
– Ouvi-me, Guerreiros.
– Ouvi meu cantar.
 
 
II

Valente na guerra
Quem há, como eu sou?
Quem vibra o tacape
Com mais valentia?
Quem golpes daria
Fatais, como eu dou?
– Guerreiros, ouvi-me;
– Quem há, como eu sou?


III

Quem guia nos ares
A frecha imprumada,
Ferindo uma presa,
Com tanta certeza,
Na altura arrojada
Onde eu a mandar?
Guerreiros, ouvi-me,
Ouvi meu cantar.
 
 
IV


Quem tantos imigos
Em guerras preou?
Quem canta seus feitos
Com mais energia?
Quem golpes daria
Fatais, corno eu dou?
– Guerreiros, ouvi-me:
– Quem há, como eu sou?


V

Na caça ou na lide,
Quem há que me afronte?!
Meus passos conhece,
O imigo estremece,
E a ave medrosa
Se esconde no céu.
– Quem há mais valente,
– Mais destro do que eu?

 
VI
 
Se as matas estrujo
Co’os sons do Boré,
Mil arcos se encurvam,
Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam.
Mil homens de pé
Eis surgem, respondem
Aos sons do Boré!
– Quem é mais valente,
– Mais forte quem é?
 
 
VII


Lá vão pelas matas;
Não fazem ruído:
O vento gemendo
E as matas tremendo
E o triste carpido
Duma ave a cantar,
São eles – guerreiros,
Que faço avançar.


VIII

E o Piaga se ruge
No seu Maracá,
A morte lá paira
Nos ares frechados,
Os campos juncados
De mortos são já:
Mil homens viveram,
Mil homens são lá. 
 
 
IX


E então se de novo
Eu toco o Boré;
Qual fonte que salta
De rocha empinada,
Que vai marulhosa,
Fremente e queixosa,
Que a raiva apagada
De todo não é,
Tal eles se escoam
Aos sons do Boré.
– Guerreiros, dizei-me,
– Tão forte quem é? 
 
 
O MAR


Frappé de ta grandeur farouche
Je tremble... est-ce bien toi, vieux lion que je touche.
Océan, terrible écin!

TURQUETY 
 
  Oceano terrível, mar imenso
De vagas procelosas que se enrolam
Floridas rebentando em branca espuma
Num pólo e noutro pólo,
Enfm... enfm te vejo; enfm meus olhos
Na indômita cerviz trêmulos cravo,
E nesse rugido teu sanhudo e forte
Enfm medroso escuto! 
 
Donde houveste, ó pélago revolto,
Esse rugido teu? Em vão dos ventos
Corre o insano pegão lascando os troncos,
E do profundo abismo
Chamando à superfície infndas vagas,
Que avaro encerras no teu seio undoso;
Ao insano rugir dos ventos bravos
Sobressai teu rugido.
Em vão iroveja horríssona tormenta;
Essa voz do trovão, que os céus abala,
Não cobre a tua voz. – Ah! donde a houveste,
Majestoso oceano?
 
O mar, o teu rugido é um eco incerto
Da criadora voz, de que surgiste:
Seja, disse; e tu foste, e contra as rochas
As vagas compeliste.
E à noite, quando o céu é puro e limpo,
Teu chão tinges de azul, – tuas ondas correm
Por sobre estrelas mil; turvam-se os olhos
Entre dois céus brilhantes.
 
 
Da voz de Jeová um eco incerto
Julgo ser teu rugir; mas só, perene,
Imagem do infnito, retratando
As feituras de Deus.
Por isto, a sós contigo, a mente livre
Se eleva, aos céus remota ardente, altiva,
E deste lodo terreal se apura.
Bem como o bronze ao fogo.
Férvida a Musa, co’os teus sons casada,
Glorifca o Senhor de sobre os astros
Co’a fronte além dos céus, além das nuvens,
E co’os pés sobre ti.
 
O que há mais forte do que tu? Se erriças
A coma perigosa, a nau possante,
Extremo de artifício, em breve tempo
Se afunda e se aniquila.
És poderoso sem rival na terra;
Mas lá te vais quebrar num grão d’areia,
Tão forte contra os homens, tão sem força
Contra coisa tão fraca!
 
Mas nesse instante que me está marcado,

Em que hei de esta prisão fugir p’ra sempre
Irei tão alto, ó mar, que lá não chegue
Teu sonoro rugido.
Então mais forte do que tu, minha alma,
Desconhecendo o temor, o espaço, o tempo,
Quebrará num relance o circ’lo estreito
Do fnito e dos céus!
 
Então, entre miríadas de estrelas,
Cantando hinos d’amor nas harpas d’anjos,
Mais forte soará que as tuas vagas,
Mordendo a fulva areia;
Inda mais doce que o singelo canto
De merencória virgem, quando a noite
Ocupa a terra, – e do que a mansa brisa,
Que entre fores suspira.
 
 
ROLA


Desque amor me deu que eu lesse
Nos teus olhos minha sina,
Ando, como a peregrina
Rola, que o esposo perdeu!
Seja noite ou seja dia,
Eu te procuro constante:
Vem, oh! vem, ó meu amante,
Tua sou e tu és meu!
 
Vem, oh vem, que por ti clamo;
Vem contentar meus desejos,
Vem fartar-me com teus beijos,
Vem saciar-me de amor!
Amo-te, quero-te, adoro-te,
Abraso-me quando em ti penso,
E em fogo voraz, intenso,
Anseio louca de amor!
 
Vem, que te chamo e te aguardo,
Vem apertar-me em teus braços,
Estreitar-me em doces laços,
Vem pousar no peito meu!
Que, se amor me deu que eu lesse
Nos teus olhos minha sina,
Ando, como a peregrina
Rola, que o esposo perdeu.
 
 
http://www.geia.org.br/images/goncalves_dias.pdf

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